sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Geração

Filme de estreia do diretor Andrzej Wajda, Geração (Polônia, 1954) guarda qualidades cinematográficas. Realizado sob o prisma do neorrealismo, narra a mobilização antifascista na Varsória ocupada pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. O drama, de bela fotografia, foca um grupo de jovens comunistas que, com bravura e autossacrifício, combate as forças invasoras. No elenco, o novato ator e futuro diretor Roman Polanski – assim como Wajda, formado na escola de cinema de Lodz.

Em 1942, a barbárie alemã esmaga a arruinada capital polonesa. Humilhações, torturas e assassinatos eram habituais. Nesse contexto, um jovem operário entra em contato com a resistência comunista. Movimento organizado na clandestinidade, tem a tarefa de enfrentar os nazistas e seus colaboradores locais. Além da luta pela causa da liberdade, o personagem conhece o amor e a dor da perda.


Ao fundo, o jovem ator e futuro diretor Roman Polanski

Wajda utiliza sequências de grande carga dramática para contar a história. Enquanto vão ao trabalho, os poloneses passam por homens enforcados – é necessário, para o dominador, provocar o medo. Ao lado do Gueto de Varsóvia em chamas, o parque de diversões dos nazistas continua a funcionar. No gueto estava confinada a população judaica. Em meio à fome, doenças, morte e deportações, explode o levante contra as tropas inimigas. A película exibe o auxílio dos revolucionários aos insurretos.

Após Geração, Wajda enveredou-se por outras linhas políticas e fontes de inspiração estéticas. Para efeito de ilustração, em Cinzas e Diamantes (1958) há influência direta do cinema americano, notadamente de Cidadão Kane.

A respeito das manifestações artísticas da Europa Oriental pró-soviética, uma observação do historiador britânico Eric Hobsbawm, no livro A Era dos Extremos, vale ser reproduzida. "(...) mesmo onde, como na Polônia, a rejeição do regime existente se tornou total, todos, com exceção dos mais jovens, conheciam o suficiente da história de seu país depois de 1945 para captar os tons de cinza além do preto e branco da propaganda. É isso que dá uma dimensão trágica aos filmes de Andrzej Wajda (...)", afirmou.   

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Lotna

Quando foi invadida pela Alemanha nazista em 1º de setembro de 1939, data que assinala o começo da Segunda Guerra Mundial, a Polônia mostrou forte oposição. O país utilizou, entre outros recursos para reagir à agressão, a obsoleta tática da carga de cavalaria.  Para contar esse evento, o consagrado diretor Andrzej Wajda realizou o drama Lotna (Polônia, 1959).

Após ser incorporada a um regimento de cavalaria, a bela égua Lotna passa por vários donos. Objeto de cobiça para alguns, símbolo de azar para outros, a trajetória do animal acompanha a da unidade militar. A morte vigia a todos.


História da cavalaria polonesa no início da Segunda Guerra Mundial

No primeiro contragolpe, efetuado de surpresa sobre a infantaria alemã, o esquadrão, com sabres e lanças, obtém resultados positivos. Mas é repelido pelo fogo de artilharia. Na próxima escaramuça,  agora contra tanques, não existe chance de êxito.  Além do aspecto heróico e lírico, Wajda buscou salientar a cavalaria como elemento cultural de resistência da população local. O cavalo, aliás, foi usado amplamente por exércitos – o germânico e o soviético, por exemplo –  como meio de transporte durante o conflito.

À época, os poloneses tinham um exército considerado numeroso (cerca de um milhão de homens) e uma força aérea de 1.200 aviões. Não haviam, porém, preparado adequadamente a motorização de suas forças terrestres. Menos de três semanas depois de ser invadida pelo Oeste, tropas soviéticas ocupam o Leste da Polônia.  Sob o jugo nazista, cidades são arrasadas. Liberais, socialistas, comunistas e democratas são mortos. A comunidade judaica é dizimada.

Temas históricos e políticos dominam a obra de Wajda, formado na escola de cinema de Lodz. Geração (1954), Kanal (1957), Cinzas e Diamantes (1958), O Homem de Mármore (1976) e Danton (1983) são modelos da arte do realizador. Wajda, premiado em vários festivais, passou por distintas fases: engajado com ressalvas na construção do socialismo polonês, crítico ferrenho do stalinismo e por fim adepto da federação de sindicatos Solidariedade, movimento operário antissocialista – ele chegou a ser eleito parlamentar pela organização.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Marcado pela Sarjeta

O boxe rendeu momentos marcantes no cinema. Entre os pontos altos está Marcado pela Sarjeta (Somebody Up There Likes Me, Estados Unidos, 1956), filme que consagrou Paul Newman como talentoso astro ascendente de Hollywood. Dirigido por Robert Wise, o drama narra a trajetória do lendário Rocky Graziano, da delinquência ao título mundial na categoria médio-ligeiro – vida errática é algo comum no mundo dos pugilistas. A princípio, o papel central caberia a James Dean. Porém, o ator morreu antes das gravações.

Nascido em uma família pobre de Nova York, Rocky (Newman) cresceu atormentado pelo pai, ex-boxeador frustrado e bêbado. A via criminosa transforma-se em meio natural de sobrevivência para o jovem. Bom de briga, faz parte de uma pequena gangue – um dos integrantes é Steve McQueen, não creditado. Rocky passa por reformatórios e pelo rigor dos trabalhos forçados na penitenciária. Ao sair, durante a Segunda Guerra Mundial, é convocado para o Exército. Depois de agredir um capitão, deixa as Forças Armadas, de forma desonrosa.

Por 10 dólares, aceita ser sparring. Surpreende, vencendo o adversário. Surge novo caminho: tornar-se pugilista profissional. Casa-se com a bela Norma (Pier Angeli), que não gosta de vê-lo lutar.

O recomeço é difícil. O passado o assombra. Ao se recusar a entregar um combate, acaba envolvido em um escândalo de fraude. Há sujeira no submundo do boxe. Mas ele não tem queixo de vidro, e ir para as cordas não significa derrota. Chegou a hora de desafiar o detentor do cinturão.


Papel do campeão Rocky Graziano consagrou Paul Newman

 Diretor de O Dia em que a Terra Parou, O Canhoneiro do Yang-Tsé, Amor, Sublime Amor e do piegas A Noviça Rebelde, Wise realizou, também a respeito do esporte,  Punhos de Campeão. Antes de dirgir, foi montador (Cidadão Kane).

Pode-se mencionar, por fim, outros exemplos notáveis de longas sobre boxe: O Campeão, Rocky, um Lutador e Touro Indomável. Sobre este último, obra-prima do cineasta Martin Scorsese, pesa influência visível de Marcado pela Sarjeta.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A Cor da Romã

Na década de 1960, desvencilhado das exigências do realismo socialista – movimento artístico oficial do regime soviético –, o cineasta  Sergei Paradjanov realiza A Cor da Romã (União Soviética, 1968), filme de extraordinário vigor estético. A obra narra, de forma simbólica, a história de Sayat-Nova, poeta, músico e trovador místico cristão armênio do século 18. Porém, como explica o realizador na introdução, é uma história sobre a dimensão interior do bardo.

O longa é dividido em partes bem delimitadas, destacando-se a infância, a juventude, a permanência no monastério e a morte do personagem. Cada enquadramento tem profundo apuro pictórico. Na sequência de abertura, aparecem, sobre a toalha branca, três romãs derramando o suco vermelho e um punhal manchado de sangue.  

Além do concerto de imagens e sons, Paradjanov usa trechos da obra de Sayat-Nova para articular as fases da vida do monge.  "Eu sou o homem cuja vida e alma são tortura." Ou "estou vagando, queimado e ferido, e não encontro refúgio (...)".


Concerto de imagens e sons, o filme conta a vida de um poeta armênio

Pela abordagem cinematográfica heterodoxa e por valorizar a diversidade étnica, A Cor da Romã sofreu censura das autoridades soviéticas. Acusado de homossexualismo e de "propagar a pornografia", Paradjanov foi condenado em 1973 a cinco anos de trabalhos forçados na Sibéria. Intelectuias e ativistas políticos se manifestaram pela libertação. Entre eles, os cineastas Luis Buñuel, Jean-Luc Godard e François Truffaut. Paradjanov voltou a filmar em meados dos anos 80.

Filhos de armênios, Paradjanov nasceu em 1924, na cidade de Tiflis, atual Tbilisi, na Georgia. Morreu em 1990. Deixou forte legado artístico.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Apocalypse Now

Delirante, Apocalypse Now (Estados Unidos, 1979) é uma das melhores contribuições cinematográficas a respeito da Guerra do Vietnã. Realizado por Francis Ford Coppola, o filme, adaptação distante do romance O Coração das Trevas, de Joseph Conrad (1857-1924), recebeu o merecido reconhecimento de público e crítica. Descomunal e sensacional, a película tem imagens, sonoplastia, interpretações, roteiro e direção primorosos. No elenco, Martin Sheen, Marlon Brando, Robert Duvall, Dennis Hopper, Harrison Ford e Laurence Fishburne.

Durante o conflito asiático, o capitão Willard (Sheen), da inteligência norte-americana, recebe a missão de encontrar e matar o coronel Kurtz (Brando). Kurtz, oficial de elite condecorado, enlouquece, embrenhando-se na selva do Camboja. Lá, arregimenta seguidores. Esse fiel exército, cujos integrantes idolatram o líder, pratica uma séria de atrocidades.

Recrutado durante um porre no quarto do hotel, Willard viaja escoltado por quatro militares. Dentro de um barco, navegam pelo interior do Vietnã. Enquanto o capitão examina documentos referentes à operação, o grupo depara-se com situações absurdas – algo natural na guerra. Ao som de muito rock'n'roll – Rolling Stones, por exemplo – e de Wagner, a embarcação aproxima-se do alvo. A medida que reflete sobre o desafio, Willard vê sua admiração por Kurtz aumentar. Por que eliminar esse homem?, indaga-se.


Sheen, em primeiro plano. À esq., o alucinado Hopper

Cenas célebres alimentam o longa. A trama abre-se com helicópteros bombardeando, com disposivos de napalm, uma floresta. Ao fundo, a canção The End, da banda The Doors. Em outro momento, Willard encontra-se com o tenente-coronel Bill Kilgore (Duvall), caubói que gosta de surfe e adora "cheiro de napalm pela manhã". À frente de tropa embalada pela música A Cavalgada das Valquírias, de Wagner, Bill Kilgore comanda ataque de helicópteros contra aldeia vietcongue. Em posto avançado das forças norte-americanas, o combate, com imagens noturnas alucinantes, desenvolve-se sem que os soldados saibam quem está no comando.

A película é cercada de fatos curiosos. Sheen sofreu enfarte. Brando, que cobrou uma fortuna pelo trabalho, pediu para que fosse disfaçada sua obesidade – os poucos minutos em que aparece na tela são geniais. Hopper, no papel do repórter fotográfico, atua sob efeito de LSD.

Apocalypse Now ganhou a Palma de Ouro, em Cannes, o Oscar nas categorias Melhor Fotografia e Melhor Som e o David di Donatello, na Itália, no item Melhor Diretor de Filme Estrangeiro.    

Em 2001, foi lançado Apocalypse Now Redux, versão com uma hora a mais de duração.
 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O Mundo Odeia-me

O homem é "magro, tem 28 anos, veste uma camisa escura, calça cinza escura e uma jaqueta de couro preta. Sua pálpebra direita é paralisada". Essa é a descrição de Emmett Myers, o assassino psicopata do clássico noir O Mundo Odeia-me (Estados Unidos, 1953), dirigido por Ida Lupino. Teria sido melhor usar o significado do título original, The Hitch-Hiker, o caroneiro. 

A narrativa e as atuações do elenco central impressionam. Extraído de fatos reais, a trama arrebata desde a primeira cena. De pronto, sem rodeios, o tom da obra não deixa dúvidas ao espectador. 

O foragido  Emmett Myers (William Talman) busca abrigo no México. Deixa rastro de sangue e terror. No caminho, recebe carona dos amigos Roy Collins (Edmond O'Brien) e Gilbert Bowen (Frank Lovejoy),  que viajam para pescar. Armado, sentado no banco de trás do carro, logo rende as vítimas. Sob a mira do revólver, devem levá-lo, por estradas poeirentas e marginais, a Santa Rosalia, cidade da península da Baixa Califórnia, no noroeste do país vizinho.

Os olhares de Roy e Gilbert carregam o medo da morte – a existência deles, na lógica de Myers, somente está condicionada às necessidades da fuga. A polícia caça,  cerca, trabalha com pistas. Tenta capturar o bandido e salvar os reféns.


Assassino aterroriza dois homens em viagem pelo México

Emmett alega que a vida, inclemente, o conduziu ao crime. Rejeitado pelos pais, tudo o que conquistou foi resultado do próprio esforço. A sociedade o repele. Daí o nome O Mundo Odeia-me.  

Nascida na Inglaterra, Ida Lupino mudou-se para os Estados Unidos na década de 30. Tornou-se respeitada atriz, roteirista e diretora. Mais que um rosto bonito da grande tela.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A Ilha do Tesouro

Piratas, mapa do tesouro, rum, motim a bordo. Esses são alguns dos elementos de A Ilha do Tesouro, clássico romance do escocês Robert Louis Stevenson 1850-1894). Pela lente do diretor Byron Haskin (conferir A Guerra dos Mundos e A Selva Nua),  A Ilha do Tesouro (Treasure Island, Estados Unidos, 1950) é marco na vasta produção do estúdio de Walt Disney.

No século 18, na costa leste da Inglaterra, o pequeno Jim Hawkins (Bobby Driscoll) cuida da estalagem Almirante Benbow. Por golpe do destino, um mapa do tesouro cai em suas mãos. Começa a trepidante aventura em busca da riqueza, fruto das pilhagens do temido capitão J. Flint.

Auxiliado por ambiciosos moradores da região, Jim embarca no navio Hispaniola. Nesse contexto, surge o personagem mais famoso da história, o pirata perneta Long John Silver (Robert Newton). Silver, que havia sido contramestre de Flint, reúne integrantes da antiga tripulação para ingressar no Hispaniola. Na roupagem de humildes marinheiros, são admitidos na embarcação. Arquétipo do pirata, o robusto e eloquente Silver carrega o papagaio no ombro, usa a muleta com desembaraço e, sobretudo, sabe mentir e convencer.


Jim e o impagável pirata Long John Silver

Os companheiros de Jim descobrem que Silver planeja assumir o controle do barco e tomar o mapa. Os dois grupos se enfrentam. Em maior número, os criminosos conquistam o Hispaniola e içam a Jolly Roger, a bandeira pirata – pano negro, com caveira e dois ossos cruzados. Jim e os outros refugiam-se em um casebre na ilha, onde sofrem ataques dos homens de Silver.

Depois de muita pólvora, de Jim mostrar extrema coragem,  Long John Silver revela contradições de caráter. O fim guarda surpresas ao espectador.

Uma obra para todas as idades.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Professor Aloprado

Festejado romance da literatura ocidental, o sombrio O Médico e o Monstro, do escocês Robert Louis Stevenson (1850-1894), transformou-se na melhor comédia de Jerry Lewis. Dirigido, protagonizado e roteirizado pelo artista, O Professor Aloprado (The Nutty Professor, Estados Unidos, 1963) subverte a história original.

No livro, o fraterno doutor Henry Jekyll bebe substância que o transforma no maléfico e deformado Edward Hyde. No filme, o tímido, fraco e desengonçado professor de química Julius Kelp (Lewis) ingere produto que muda a personalidade. Passa a ser o expansivo, elegante e carismático Buddy Love (Lewis), cantor e pianista performático. Na pele de outro homem, seduz a linda aluna Stella Purdy (Stella Stevens, de O Destino do Poseidon), paixão secreta do professor.


Jerry Lewis subverte a história de Stevenson

A situação favorece Kelp. Popular na boate que frequenta, Love conquista admiradores. O rumo das coisas, porém, começa a desagradar o herói. Os efeitos da fórmula química fogem do controle. Enquanto Love interpreta uma canção, a voz de Kelp emerge no salão, surpreendendo a audiência. A descoberta da verdade parece é inevitável.

Obra-prima do humor, O Professor Aloprado tem cenas sensacionais. Completamente desajeito, Kelp dança no baile estudantil, enfiando o braço no ponche ao conversar com Stella. Para desenvolver músculos, entra em uma academia. Fica estropiado, com os braços esticados até o chão.

Em 1996, Eddie Murphy realizou remake do longa. O Professor Aloprado de Murphy foi sucesso de bilheteria.