sexta-feira, 21 de junho de 2013

O Mensageiro do Diabo

O extraordinário ator Charles Laughton realizou um único filme: o suspense noir O Mensageiro do Diabo (The Night of the Hunter, Estados Unidos, 1955). Obra-prima, cujas qualidades de roteiro (escrito por Laughton), direção, fotografia e interpretação permanecem intactas. O astro Robert Mitchum está soberbo no papel do pregador religioso psicopata que seduz e assassina viúvas. 

Na época da Grande Depressão nos Estados Unidos, na década de 1930, o pastor Harry Powell (Mitchum) conhece na prisão o ladrão Ben Harper (Peter Graves), condenado à morte. Este havia escondido 10 mil dólares com os dois filhos, um menino e uma menina.

Com a cobiça atiçada, Harry parte atrás da fortuna. Conhece a viúva Willa Harper (a ótima Shelley Winters), dócil e manipulável. Ela fica impressionada com Harry, aceitando casar-se com ele. Mas logo constata-se que o novo marido, indisfaçável misógino, a repele, impingido-lhe poderoso sentimento de culpa.

O filme ganha ritmo quando Harry começa a perseguir e aterrorizar as crianças. O personagem quer, a todo custo, descobrir o local onde está o dinheiro. Não há limites para a jornada doentia. A personalidade patológica é reforçada por duas tatuagens: nos dedos da mão direita a palavra love (amor) e nos da esquerda, hate (ódio). A síntese da luta do bem e do mal.

Mitchum tem atuação inesquecível no papel de psicopata

Assim como o lendário Marlon Brando dirigiu somente um longa – o western A Face Oculta, de 1961 –, Laughton dedicou-se a trabalhar do outro lado das câmeras apenas em O Mensageiro do Diabo. O talento de Laughton na arte de atuar continua a brilhar em películas da estatura de O Corcunda de Notre Dame (1937), Testemunha de Acusação (1957) e Spartacus (1961). 

terça-feira, 11 de junho de 2013

A Vida Íntima de Sherlock Holmes

Londres vitoriana, castelos e cemitérios escoceses, desaparecimento do marido de uma bonita mulher, espiões alemães, o lendário monstro do lago Ness, anões sequestrados e outros temas dão forma ao longa A Vida Íntima de Sherlock Holmes (The Private Life of Sherlock Holmes, Estados Unidos, 1970), do diretor Billy Wilder. Inspirado na obra de sir Arthur Conan Doyle, combina suspense e comédia. Robert Stephens vive o célebre detetive particular e Colin Blakely, o fiel companheiro, Dr. Watson.

No apartamento 221B da rua Baker Street, Holmes aguarda ansiosamente novo e extraordinário caso. Enquanto Watson prepara as anotações, Holmes aborrece-se. A rotina muda quando aparece a personagem interpretada por Genevieve Page. Ela foi salva do afogamento por um cocheiro que a leva para a casa de Holmes. Com amnésia, a bela carrega consigo o endereço de Baker Street. Surge a primeira pista.


Filme integra última fase de Billy Wilder

Quem é a misteriosa mulher? De onde vem? Onde está o esposo? Em busca das respostas, a dupla empenha-se na investigação – aventura de dedução e de riscos pessoais. O enigmático irmão mais esperto de Sherlock, Mycroft (Christopher Lee), joga papel importante. 

Os 25, 30 minutos iniciais são um pouco enfadonhos, deve-se reconhecer. Depois, a película ganha ritmo, com maestria,  enlaçando o espectador. Alguns aspectos merecem destaque. Exemplos: a inclinação de Holmes por narcóticos, em momentos em que se sente abatido; a natureza sexual do detetive, aparentemente misógino; as deslumbrantes paisagens das Terras Altas da Escócia (Highlands), com suas construções medievais.

Os astros  Peter O'toole e Peter Sellers foram cogitados para os papéis centrais de A Vida Íntima de Sherlock Holmes. Wilder, responsável por marcos cinematográficos como Cinco Covas no Egito (1943), Farrapo Humano (1945), Crepúsculo dos Deuses (1950) e Quanto Mais Quente Melhor (1959), contribuiu para a saga da fantástica criação de Conan Doyle. A Vida Íntima de Sherlock Holmes integra a última fase do consagrado diretor.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Um Dia Muito Especial

No dia 3 de maio de 1938, o ditador nazista Adolf Hitler visitou o colega fascista Benito Mussolini em Roma. Uma multidão entusiasmada recebeu o líder alemão nas ruas da capital italiana. Nessa data, dois personagens fictícios se conhecem: a dona de casa Antonietta (Sophia Loren), infeliz no matrimônio, e o radialista Gabrielle (Marcello Mastroianni), homossexual que recentemente fora demitido.

O encontro de algumas horas entre Antonietta e Gabrielle é narrado no excelente Um Dia Muito Especial (Una Giornata Particolare, Canadá-Itália, 1977), do prestigiado diretor Ettore Scola. O longa ganhou prêmios internacionais, entre eles o francês César de melhor filme estrangeiro e o italiano David di Donatello, nas categorias de melhor filme e melhor atriz (Sophia Loren).

Antonietta mora com a família num conjunto habitacional. O marido, machista e filiado ao partido fascista, e os seis filhos saem para participar da parada em homenagem a Hitler. Sozinha e deprimida, ela conhece, de forma inusitada, o vizinho Gabrielle e se sente atraída por ele.


Drama transcorre na época da Itália fascista

A história de Gabrielle desconcerta a mulher. Culto e antifascista, o radialista perdeu o emprego em decorrência de sua condição sexual. O regime de extrema-direita não admite a diferença, perseguindo quem não se enquadra nas regras vigentes. As primeiras leis antissemitas de Mussolini, por exemplo, foram promulgadas em 1938.

Scola utiliza imagens e sons da época para reforçar o tom realista da película. Momentos dramáticos pontuam a obra. A cena do terraço, em meio a lençóis brancos pendurados para secar, impressiona. A passagem é decisiva para a trama.

Reconhecido como um dos principais cineastas italianos, Scola realizou trabalhos notáveis. Nós que Nos Amávamos Tanto (1974),  Feios, Sujos e Malvados (1976), O Baile (1983) – seu melhor filme – e A Viagem do Capitão Tornado (1991) são destaques na carreira do diretor.