quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Fúria

Justiça é o tema central de Fúria (Fury, Estados Unidos, 1936). O drama, dirigido por Fritz Lang – que havia deixado a Alemanha nazista –, marca o início da fase americana do realizador dos clássicos Metropolis (1927) e M, o Vampiro de Düsseldorf (1931). A interpretação de Spencer Tracy, no papel de Joe Wilson, faz jus ao grande astro de Hollywood. Cito de memória: em Cinema Paradiso, Alfredo diz uma frase que Spencer Tracy falou, se não me engano, em a Fúria.

Joe quer ganhar o dia a dia honestamente e casar-se com a doce Katherine Grant (Sylvia Sidney). Planos feitos, hora de juntar dinheiro. Às vésperas do matrimônio, o rumo da trama muda drasticamente quando o personagem de Spencer é preso, suspeito de participar do sequestro de uma garota.

A informação passa de boca em boca, de ouvido a ouvido, de fofoca a fofoca. Assume proporção gigantesca. Populares "respeitáveis", dispostos a fazer o que chamam de "justiça", se dirigem à delegacia de polícia onde o xerife mantém Joe detido. A turba quer linchar o homem.

Turba quer linchar o personagem vivido por Spencer Tracy 

Sedenta de liquidar o suposto criminoso, a multidão invade e coloca fogo no prédio, a fim de queimá-lo vivo. Acuado e desesperado na cela, Joe é alvo do vilipêndio da massa ensandecida, enquanto as chamas consomem o local protegido pelos agentes da lei. Todos pensam que ele morreu. Contudo, sobrevive e deseja vingança contra os moradores da pequena cidade.

Inocente ou culpado, a vítima do linchamento é vítima de delinquentes, de pessoas que romperam as normais legais. Qual é a justiça que se pretender construir e defender, pode-se perguntar a partir da película de Lang. A do Estado Democrático de Direito – conquista histórica da civilização ocidental – ou a de talião, a retaliação do dente por dente, olho por olho? Lang não deixa dúvidas.


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Joan Fontaine

Mais uma perda para a sétima arte. A atriz britânica-americana Joan Fontaine morreu no domingo, aos 96 anos. Bela e talentosa, foi um dos ícones do cinema nos anos 40. Irmã de Olivia de Havilland, estrelou filmes notáveis, como Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940) e Carta de Uma Desconhecida (1948).   

Atriz em cena de Rebecca, a Mulher Inesquecível, de Alfred Hitchcock

domingo, 15 de dezembro de 2013

Peter O'Toole

Morreu no sábado, aos 81 anos, o ator irlandês Peter O'Toole. O óbito foi noticiado ontem. Ele interpretou o papel principal no monumental Lawrence da Arábia (1962), o que imortalizou seu nome no cinema. Atuou em outros clássicos, como O Leão no Inverno (1968) e Como Roubar Um Milhão de Dólares (1966).


Ator viveu  o atormentado oficial britânico T.E. Lawrence 

sábado, 7 de dezembro de 2013

Dica do final de semana (6): Os Deuses Malditos

Os Deuses Malditos (La Caduta Degli Dei, Estados Unidos-Itália, 1969), de Luchino Visconti, mostra o papel fundamental que o grande capital teve no fortalecimento do nazismo. Por meio da história de uma família aristocrática alemã,  o diretor italiano mostra a contribuição financeira de empresários ao partido de Hitler.

Visconti, em cena impactante, retrata a Noite dos Longos Punhais, expurgo que ocorreu em 1934 nas fileiras da extrema-direita. Decadência moral, terror e mortes se misturam.


Bogarde atua no filme de Visconti, um dos mestres do cinema mundial

Dirk Bogarde, Helmut Berger e Ingrid Thulin compõem o elenco. Dois anos depois, Bogarde protagonizou Morte em Veneza, do mesmo realizador.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Mais Forte que a Vingança

As Montanhas Rochosas são o cenário do belo western Mais Forte que a Vingança (Jeremiah Johnson, Estados Unidos, 1972), estrelado por Robert Redford. Dirigido por Sydney Pollack,  é apelo à vida junto à natureza, ao homem rousseauniano.

Jeremiah Johnson (Redford) é um vetereno do exército americano. Desiludido com a civilização, resolve se afastar e viver como montanhês, alimentando-se da caça e da pesca. O inverno, com a intensa neve, é prova fundamental no "rito de passagem"  de Johnson, que ainda não tem aptidão suficiente para enfrentar as dificuldades da situação.  Não basta bom rifle, farta munição –  logo ele saberá disso.

O personagem principal encontra o velho caçado Bear Claw (Will Geer), que o ensina os macetes do cotidiano. Agora, está preparado para seguir sozinho. O caminho de Johnson o leva a contatos com nativos e a acolher uma índia e um órfão, formando autêntica família. O pedaço de felicidade, contudo, é quebradiço. Johnson terá de se vingar de quem fez mal a ele.


Robert Redford interpreta o caçador  Jeremiah Johnson

Na película, Pollack centra a atenção no indivíduo, na sua singularidade radical. Encontrou em Redford um intérprete notável, que, em Mais Forte que a Vingança, representa marcante papel. O filme foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França.

Ator, produtor e diretor, Pollack realizou obras famosas. Algumas:  Três Dias do Condor (1975), Tootsie (1982) e Entre Dois Amores (1985). O primeiro e o terceiro títulos com a participação de Redford.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Dica do final de semana (5): Febre de Xadrez

Há poucos dias, o norueguês prodígio Magnus Carlsen ganhou o título mundial de xadrez. Sobre o esporte, vale conferir a comédia Febre de Xadrez (Shakhmatnaya Goryachka, União Soviética, 1925), dirigida por Vsevolod Pudovkin – de A Mãe – e Nikolai Shpikovsky. A União Soviética foi notável centro de estudos teóricos e da prática do xadrez.

A história é simples: apaixonado enxadrísta esquece de tudo, até dos compromissos amorosos, para se dedicar à arte do tabuleiro. A namorada, que odeia o jogo, parte sozinha a perambular por Moscou. No caminho, conhece um homem... o então campeão mundial, o cubano José Raúl Capablanca.

Comédia soviética de 1925 descreve a paixão pelo jogo

Os realizadores aproveitaram o torneio de xadrez realizado na capital soviética em 1925 para fazer o curta-metragem. Aparecem na tela os grandes mestres Frank Marshall (Estados Unidos), Carlos Torre (México), Rudolph Spielmann (Áustria) e outros.

A película pode ser encontrada no endereço http://www.youtube.com/watch?v=0kwtVRAS3Io. As legendas estão em inglês.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Dica do final de semana (4): Três Dias do Condor

Três Dias do Condor (Three Days of the Condor, Estados Unidos, 1975) é suspense inquietante, um dos grandes sucessos do diretor Sydney Pollack.

O astro Robert Redford interpreta o agente da CIA Joseph Turner, o Condor. Ele trabalha em uma unidade de informações da agência de inteligência americana.

Astro Robert Redford interpreta agente da CIA 

A equipe de Turner é massacrada, sendo ele o único sobrevivente da chacina.  Caçado, o personagem sequestra Kathy Hale (Faye Dunaway), que o ajuda escapar e a esclarecer o caso. No elenco, Max von Sydow e Cliff Robertson.

Tema atual.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O Gabinete do Doutor Caligari

Existem obras que marcam a história da sétima arte. O Encouraçado Potemkin (1925) e Cidadão Kane (1941), narrativas revolucionárias, são exemplos conhecidos. Nesse rol, tem lugar de honra O Gabinete do Doutor Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, Alemanha, 1919), autêntico manifesto do movimento expressionista no cinema. Nessa corrente estética, fundamental nas décadas iniciais do século 20, o que vale são as emoções subjetivas do artista.

Essa trama de terror, que mistura realidade e alucinação, é caracterizada pelos cenários estilizados, com ângulos distorcidos, com o contraste de cores – o preto e o branco. Dirigido por Robert Wiene e com roteiro de Carl Mayer e Hans Janowitz, o filme tem o elenco encabeçado por Werner Krauss e o lendário Conrad Veidt.

Num vilarejo montanhoso alemão, Holstenwall, o misterioso doutor Caligari (Krauss) chega acompanhado do sonâmbulo Cesare (Veidt), que, segundo aquele, está adormecido há mais de 20 anos. Caligari pede autorização para mostrar a "atração" na feira da cidade. Cesare, ao acordar, mostra-se capaz de prever o futuro.

Cenários estilizados caracterizam o clássico expressionista

A partir do primeiro "show", estranhos assassinatos ocorrem. A polícia busca o homicida. Pistas surgem, pistas desaparecem. A tensão da atmosfera aumenta.

O Gabinete do Doutor Caligari representa um dos grandes momentos do cinema mudo, influenciando futuras produções, dentro ou fora da Alemanha. O jornalista e crítico Paulo Paranaguá esclarece, no livro "Cinema na América Latina  - Longe de Deus e Perto De Hollywood" (Porto Alegre, L&PM, 1985), a respeito da passagem para a película sonora: "O cinema mudo acabou quando estava no seu auge e não por esgotamento intrínseco. Seu fim obedeceu a causas econômicas, pois sua linguagem havia alcançado altos níveis de expressão, rompendo as amarras com a fotografia, o teatro, o circo".

O trabalho de Wiene é indispensável para o cinéfilo.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Carrie, a Estranha

O diretor Brian De Palma recebeu grande influência de Alfred Hitchcock. A condução da narrativa, que amarra o espectador; o emprego de música tensa; o voyeurismo; o virtuosismo técnico. Esses são elementos típicos do mestre do suspense e do pupilo. Em Carrie, a Estranha (Carrie, Estados Unidos, 1976) – baseado no romance homônimo de Stephen King –, De Palma alcançou enorme sucesso. Terror, sangue e morte mesclam-se nessa obra lírica e fascinante. Houve remakes em 2002 e 2013.

Carrie White (Sissy Spacek) é uma adolescente problemática, sem amigos e isolada. Mas a personagem principal tem o poder espantoso da telecinésia, a capacidade de mover objetos com a mente.

Dominada pela mãe Margaret (Piper Laurie, em excelente atuação), autoritária e fanática religiosa, a jovem sofre bullying na escola. Logo no início da película, uma cena marcante: Carrie, ao banhar-se no vestiário após a aula de educação física, menstrua pela primeira vez. Ela desconhece o fenômeno. Ao pedir socorro, é humilhada pelas colegas. A professora Collins (Betty Buckley) passa a protegê-la, incentivando-a a ter autoestima e a mudar de postura.

Sue Snell (Amy Irving), arrependida do que fez, convence o namorado Tommy Ross (William Katt) – popular aluno – a convidar Carrie ao baile de fim de ano. A vilã Chris Hargensen (Nancy Allen), que foi punida pela direção da instituição, age para ridicularizar, em público, a frágil garota. Ao lado do comparsa Billy Nolan (o iniciante John Travolta), arma vingança a fim de traumatizar Carrie para o resto da vida.
Como a mola pressionada por longo tempo, Carrie mostra a incrível força paranormal que possui. O clímax da história é arrasador.

Clímax do filme do diretor Brian De Palma é arrasador.

Após lançar Carrie, a Estranha, De Palma realizou A Fúria (1978), com Kirk Douglas e John Cassavetes no elenco. A telecinésia novamente foi tema. Desta vez, Amy Irving interpretou a paranormal.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Dica do final de semana (3): M

Joseph Losey refilmou M, o Vampiro de Düsseldorf, clássico do alemão Fritz Lang. M (M, Estados Unidos, 1951), na versão do diretor norte-americano, faz jus ao original alemão, sem alterar a história do suspense e o requinte da fotografia.

David Wayne interpreta Martin W. Harrow, o maníaco assassino de crianças. O pânico causado pela quantidade e perfil dos delitos mobiliza a comunidade, a polícia e uma grande organização criminosa. Os próprios delinquentes sentem-se prejudicados, em seus negócios, pelo serial killer.

Refilmagem (foto) de 1951 faz jus ao clássico de Fritz Lang

Vale a pena ver ou rever a película de Lang, na qual a atuação de Peter Lorre – o vilão da trama – é fenomenal.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Dica do final de semana (2): A Dama de Shangai

A Dama de Shangai (The Lady from Shanghai, Estados Unidos, 1948) causou polêmica. A trama, complicada, traz a musa Rita Hayworth de cabelos curtos e louros.  Realizado por Orson Welles – tão genial diretor quanto ator –, o filme conta a história de Michael O'Hara (Welles) que se apaixona por Else (Rita), misteriosa mulher casada.

Ao invés dos longos cachos ruivos, Rita Hayworth está loura e de cabelos curtos


Enquanto viajam de Shangai a São Francisco, o marido de Elsa e seu sócio tramam uma morte forjada, o que envolve O'Hara em perigoso jogo de ambição e argúcia. A cena do tiroteio na sala de espelhos é antológica.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Dersu Uzala

Akira Kurosawa procurou, em suas obras, contribuir para melhorar o homem, ou mesmo um homem apenas, afirmou o diretor japonês. Essa faceta do realizador encontra-se na plenitude em Dersu Uzala (Dersu Uzala, 1975, Japão-União Soviética), vencedor do prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar de 1976.

No começo do século 20, expedição militar russa vai ao extremo oriente do país, na fronteira com a China, a fim de determinar características topográficas da Sibéria. À frente do destacamento, o capitão Vladimir Arseniev (Yuri Solomin). Na selva inóspita, encontram o veterano caçador goldi – minoria étnica asiática – Dersu Uzala (Maksim Munzuk), que conhece as entranhas do terreno, a queda da chuva, o movimento dos animais, o sol que surge após a tempestade. A missão acolhe o desconhecido, que passa a ser o guia do grupo.

História do veterano caçador é lição humanitária

Pelo exemplo de modéstia, solidariedade, destreza e humanidade, Dersu ganha a admiração e o respeito dos russos. Sobretudo, a amizade de Arseniev, que narra, por meio de memórias, a história. Em diálogo curto, o personagem-título diz ao oficial que é preciso deixar sal, arroz e fósforo na cabana abandonada. Por quê? Futuros viajantes chegarão, e o mantimento será essencial.  Essa sabedoria é típica de Dersu, ou, quiçá, de quem vive em ambiente tão duro.

A sequência mais impressionante da película ocorre quando Dersu e Arseniev estão na estepe gelada. A escuridão se aproxima. A morte, nessas condições, é certa. Ao trabalho, ao trabalho, grita o caçador. Enquanto Arseniev se cansa de arrancar arbustos, Dersu não para de fazê-lo. Do pouco nasce um abrigo. Deste, a sobrevivência. A beleza da fotografia, aliás, como em todo o longa, chama a atenção do espectador.

O contato das duas culturas, a do caçador e a do soldado, permeia o tecido do drama Dersu Uzala. Um dos grandes feitos de Kurosawa, que ficou conhecido no ocidente principalmente pela temática do samurai. Rashomon (1950), Os Sete Samurais (1954), Kagemusha, A Sombra de um Samurai (1980) deliciaram plateias.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Dica do final de semana (1): Uma Aventura na África

Humphrey Bogart, astro de Casablanca, e Katharine Hepburn, vencedora de quatro Oscars de melhor atriz, estão juntos em Uma Aventura na África (The African Queen, Estados-Unidos-Reino Unido, 1951).

Dirigido por John Huston, o filme narra a jornada dos dois protagonista pelo rio Congo, em 1914, no início da Primeira Guerra Mundial. Bogart, único tripulante do pequeno barco a vapor, e Katharine, missionária, unem-se numa missão improvável: afundar um navio de combate alemão.

Grandes atuações e a mão de Huston consagraram a película. Pelo papel, Bogie ganhou o Oscar de melhor ator.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Novidade no blog

O blog passa a publicar uma dica de filme para o final de semana. Texto sucinto, com resumo da obra e outras informações básicas. As demais postagens continuam iguais.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

A Sombra da Forca

A pena de morte suscita polêmica. A questão dos direitos humanos, a possibilidade de erro judiciário, o caráter de vingança e o fato de os índices de criminalidade não diminuírem com a punição são argumentos levantados na discussão. A respeito do tema, o diretor Joseph Losey filmou A Sombra da Forca (Time Without Pity, Reino Unido, 1957), drama empolgante. Losey, realizador de O Criado (1963), O Assassinato de Trotsky (1972) e Galileo (1975), foi acusado de comunista na década de 50, exilando-se na Inglaterra.

Em Londres, o jovem Alec Graham (Alec McCowen) é sentenciado à forca por matar a namorada. O pai de Alec, o alcoólatra David (Michael Redgrave), convencido da inocência do filho, faz tudo o que pode para anular a decisão. Com a ajuda do advogado Jeremy Clayton (Peter Cushing), David busca furos no inquérito policial, alguma pista que prove a inocência do condenado. Além das dificuldades inerentes ao problema, David enfrenta a hostilidade do preso, pronto para lançar na cara do genitor a desgraça do vício da bebida.

Atuação marcante de Michael Redgrave no papel do pai alcoólatra

A diligência leva aos ricos Stanford, cujo filho Brian (Paul Daneman) é amigo de Alec. Quais as reais teias ligam o "homicida" a Brian, Robert (Leo McKern), o chefe da família, e Honor, mulher deste? A solução do mistério é chave para encontrar, se possível, uma saída para evitar o patíbulo.

A Sombra da Forca lembra o longa Crime Verdadeiro (1999), dirigido e protagonizado por Clint Eastwood. Na película, o astro interpreta o repórter alcoólatra que investiga o caso de um negro condenado à injeção letal por matar uma branca.

Na literatura, o romance O Último Dia de um Condenado, do francês Victor Hugo (1802-1885), contribuiu para enfrentar o debate acerca da aplicação da pena capital. Verdadeiro manifesto contra essa forma de sanção, o livro mantém a atualidade.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Belíssima

Anna Magnani transborda talento dramático em Belíssima (Bellissima, Itália, 1951). Dirigido por Luchino Visconti, o filme mostra as qualidades que conduziram a atriz ao topo do cinema italiano. Apesar de não ser dos títulos mais conhecidos de Visconti – expoente da corrente neorrealista –, o drama faz jus ao realizador de Rocco e Seus Irmãos (1960), O Leopardo (1963) e Morte em Veneza (1971). Anna Magnani floresce como estrela em Roma, Cidade Aberta (1945), trabalho de Roberto Rossellini e um dos marcos do movimento estético.

Em Belíssima, Visconti critica as ilusões que a indústria do entretenimento cinematográfico produz. Anna interpreta Maddalena Cecconi, trabalhadora, casada e mãe da pequena Maria (Tina Apicella). Atrás de melhor futuro para a família – como tantas do pós-Segunda Guerra, em dificuldades financeiras –, ela inscreve a filha no concurso de artista mirim do Cinecittà, em Roma.

As vicissitudes da carreira são cansativas. Maria passa por bateria de testes, aulas de interpretação e de dança, sessão de fotos, demasiado esforço físico e emocional para a criança.  Alberto Annovazzi (Walter Chiari), manhoso empregado de estúdio, interfere para que a aspirante possa conseguir o papel. Desde que ganhe algum dinheiro de Maddalena, alvo da volúpia do rapaz.


Anna Magnani interpreta a mãe em busca do sucesso da filha

A menina chora, enquanto a mãe, tomada pelo afã de atingir o objetivo, continua a batalha. Maddalena, que ama o cinema, sonha com a filha nas telas e com contrato milionário nas mãos. Durante uma cena, Maddalena assiste ao ar livre, ao lado do marido, a Rio Bravo (1948), western com John Wayne e Montgomery Clift.

Belíssima tem momentos cômicos, mas o tom central é o drama. Jamais serão esquecidas as lágrimas de Maddalena e Maria no clímax do longa. Os personagens vivem e sofrem as ilusões desfeitas.

O lado cruel da indústria cinematográfica foi finamente retratado, por exemplo, em Crepúsculo dos Deuses (1950), obra-prima de Billy Wilder. A utilização de atores que atuaram no auge da era muda transmite inigualável realismo à película. Gloria Swanson, Erich von Stroheim e Buster Keaton ressurgem para o espectador.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O Leão do Deserto

A atual revolta árabe causa surpresa e expectativa. Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Síria. O Oriente Médio permanece área de influência das grandes potências. Um filme que ajuda a compreender esse quadro é O Leão do Deserto (Lion of the Desert, Estados Unidos-Líbia, 1981), do sírio Moustapha Akkad. Baseado em fatos verídicos, narra história da intervenção da Itália fascista na Líbia nas primeiras décadas do século 20 e a resistência ao invasor.

O astro Anthony Quinn interpreta Omar Mukhtar, comandante rebelde que, de 1911 a 1931, combateu os italianos. Na década de 20, o sanguinário general Rodolfo Graziani (Oliver Reed) é enviado ao país pelo ditador Benito Mussolini (Rod Steiger). Missão: aniquilar o movimento popular, mesmo que para isso a população civil sofra pesadas represálias. Estupros e assassinatos tornam-se rotineiros.

A infantaria avança no deserto e nas montanhas. Tanques cruzam as terras líbias. Avião lançam bombas. Insurgentes e civis morrem a dezenas, centenas. O caminho da pacificação de Graziani é pavimentado por medo, fogo e destruição. O exército duce, que mostrou ser pífio na Segunda Guerra Mundial, se impõe pela superioridade das armas. Os árabes, com coragem e voluntarismo, combatem o opressor.

Duas cenas impressionam pela qualidade de gravação e realismo. As tropas fascistas penetram no interior do território, até o oásis de Kufra. Centenas de moradores perdem a vida durante o bombardeio e nas execuções sumárias. A área é limpa para que Graziani ostente pompa sobre os cadáveres. Em outra cena, as táticas árabes dão certo e os italianos caem em uma emboscada. O leão do deserto, Omar Mukhtar, surpreende o inimigo.  

Anthony Quinn (centro) volta a interpretar um líder árabe

 Impossível não recordar de Lawrence da Arábia (1962), no qual Anthony Quinn vive o líder tribal Auda abu Tayi. No épico do cineasta David Lean, o Império Otomano, em rápido declínio, cede espaço para as potências imperialistas europeias durante Primeira Guerra Mundial. Outra película que traz diálogo do passado com o presente.  

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Cinco Covas no Egito

Na década de 40 do século passado, o cinema contribuiu, de forma marcante, na luta ideológica contra o nazifascismo. Casablanca (1942), por exemplo, integra a lista de filmes do esforço de guerra. Outro título notável é Cinco Covas no Egito (Five Graves to Cairo, Estados Unidos, 1943), dirigido pelo mestre Billy Wilder. Destacam-se no elenco do drama a inesquecível Anne Baxter (Eve, de A Malvada) e o extraordinário Erich von Stroheim (o mordomo e motorista Max von Mayerling, de Crepúsculo dos Deuses, também de Wilder).

A Segunda Guerra Mundial espalha-se no Norte da África. Em 1942, as forças do general alemão Rommel (Von Stroheim) avançam no deserto do Egito, rompendo as linhas dos britânicos. No recuo, o cabo tanquista John J. Bramble (Franchot Tone) fica para trás. Sozinho, sob sol e calor, caminha vários quilômetros até encontra um vilarejo. Refugia-se no hotel onde trabalha a francesa Mouche (Anne), que não esconde sua hostilidade com Bramble. A jovem quer, acima de tudo, a liberdade do irmão, preso na Alemanha.

Anne Baxter e Erich von Stroheim atuam no drama de guerra

A situação se complica quando tropas inimigas chegam ao local, transformando o hotel em quartel-general de Rommel. A fim de evitar a captura, Bramble adota a identidade de Davos, o coxo garçom. A intensidade do perigo aumentar, porque, na realidade, Davos é um agente do Terceiro Reich infiltrado na retaguarda britânica.

Mas a proximidade com o comandante alemão proporciona a Bramble a chance de se apoderar de fundamental informação estratégica: a localização dos pontos onde estão enterrados materiais – combustíveis, peças de reposição etc. – essencias para as unidades motorizadas do Afrika Korps, o corpo expedicionário de Rommel. Os esconderijos logísticos são as cinco covas no Egito.

O jornal Folha da Tarde – antigo diário da capital gaúcha –, na edição de 29 de novembro de 1943, publicou texto do pioneiro crítico de cinema do Rio Grande do Sul, Plínio Moraes (pseudônimo de Jacob Koutzii). Ele analisou a importância das películas antinazistas, sustentando seu valor: "O cinema também é uma frente de combate" (A Tela Branca. Porto Alegre, Unidade Editorial/Porto Alegre, 1997).

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A Mulher na Lua

Dois anos após filmar o icônico Metrópolis, o diretor Fritz Lang foi atraído novamente à ficção científica. Mais "modesto" na temática visionária que o anterior, A Mulher na Lua (Frau im Mond, Alemanha, 1929), fruto da parceria com a escritora e roteirista Thea von Harbou (mulher do cineasta), tem cenas sensacionais.

No fim do século 19, um cientista apresenta a teoria de que há ouro na Lua. Passam-se décadas, até que, enfim, uma expedição é enviada ao satélite terrestre. O heterogêneo grupo, composto por seis pessoas, entre elas a estudante de astronomia Friede Velten (Gerda Maurus), mostra a força da cobiça, do amor e da morte.

O melhor da película começa a partir do momento em que o foguete – construção gigantesca – desliza rumo à plataforma de lançamento. As dimensões do dispositivo, ao deixar o hangar, impressionam. Como se fosse o Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, o público e a imprensa acompanham a partida.

Contagem regressiva. (...) Quatro. Três. Dois. Um. Ignição. O foguete segue para o espaço, fronteira desconhecida do homem. Também chama a atenção o fato de ele se dividir em estágios, como os do Projeto Apollo. Além disso, Lang retrata, no interior da espaçonave, a microgravidade – ausência de peso. A superfície lunar ganha contornos arenosos e pedregosos. Magia do cinema.


Filme é da mesma estirpe de outros clássicos da ficção científica

A Mulher na Lua é da mesma estirpe de outros clássicos da tela. Exemplos. A Conquista do Espaço (1955), de Byron Haskin, notável pelas trucagens. Os Primeiros Homens na Lua (1964), adaptação da novela homônima de H. G. Wells e dirigido por Nathan Juran. 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), espetáculo visual assinado por Stanley Kubrick.

Depois de A Mulher na Lua, Lang roda, em 1931, o fenomenal M, o Vampiro de Düsseldorf, com Peter Lorre à frente do elenco. Em 1932, Thea ingressa no Partido Nazista e permanece na Alemanha, a serviço da súcia, enquanto Lang, em 1934, emigra para os Estados Unidos, onde prossegue a carreira.

sábado, 14 de setembro de 2013

Seção Especial de Justiça

O grego Constantin Costa-Gavras, que completou 80 anos em fevereiro, tornou-se mundialmente conhecido como um diretor de filmes "políticos". Denunciou a ditadura dos coronéis gregos em Z (1968); a burocracia stalinista do Leste Europeu em A Confissão (1970); o envolvimento americano no golpe militar no Chile em Desaparecido, um Grande Mistério (1982) – o meu predileto, aliás.

Em Seção Especial de Justiça (Section Spéciale, Alemanha-França-Itália, 1975), Costa-Gavras aborda um tema vexatório e doloroso na França: o colaboracionismo durante a Segunda Guerra Mundial.

Tropas alemãs invadem o território francês em maio de 1940. Cinco semanas de luta depois, Paris se rende. O país é dividido em duas zonas. Uma, subordinada diretamente a Berlim. Outra, controlada pela administração fantoche do marechal Henri Philippe Pétain  – o regime de Vichy. O governo, de direita, fica marcado pela faceta pró-nazista, anticomunista e antissemita.  Ao utilizar fatos reais, Costa-Gavras lança luzes sobre o período.

Nos primeiros tempos de ocupação, pequeno grupo de jovens da Resistência mata um oficial alemão no metrô parisiense. Os alemães, como retaliação, pretendem assassinar 50 cidadãos franceses. O Ministério propõe diferente caminho: levar a juízo seis homens, condenando-as à morte na guilhotina. Porém, existe problema: não há lei que os puna.

A cúpula do governo resolve criar norma prejudicial aos acusados, com efeito retroativo, ferindo um princípio do Direito. Nullum crimen, nulla poena, sine lege, diz o brocardo. Ou seja, "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal", na expressão do Código Penal brasileiro.

Apesar da renitência de alguns juristas, logo a ideia recebe a adesão de membros do Judiciário. Então, a malta, de posse do novo texto legal, forja um tribunal de exceção, a Seção Especial de Justiça. A corte julga os réus, escolhidos entre comunistas e judeus condenados por delitos de baixo potencial ofensivo. A injustiça da medida é flagrante, explícita. Capítulo vergonhoso da história francesa.


Filme aborda o governo de Vichy e medidas legais injustas 

No elenco, dois nomes se destacam. Michael Lonsdale (O Nome da Rosa e Homens e Deuses), no papel de ministro do Interior, e Jacques Perrin (Cinema Paradiso), que interpreta um dos advogados.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Cinema e os 40 anos do golpe militar no Chile

O golpe militar no Chile completa 40 anos neste 11 de setembro. O movimento da direita radical derrubou o presidente socialista Salvador Allende e conduziu ao poder o general Augusto Pinochet. A via chilena do socialismo foi interrompida, o que resultou numa das ditaduras fascistas mais brutais do continente.

Há vários e excelentes filmes sobre o período. O blog destaca dois.

Chove Sobre Santiago (1975), do diretor Helvo Soto, retrata aqueles dias dramáticos, da vitória da Unidade Popular à ascensão dos militares. A obra mostra as prisões e fuzilamentos de militantes pró-governo constitucional. A trilha sonora é do argentino Astor Piazzolla.

Desaparecido, um Grande Mistério (1982), realizado por Costa-Gavras. O longa, com Jack Lemmon no elenco, mostra a história do sumiço de um jornalista americano nos primeiros dias após a queda de Allende.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Rebecca, a Mulher Inesquecível

Rebecca, a Mulher Inesquecível (Rebecca, Estados Unidos, 1940) abre a fase americana do diretor britânico Alfred Hitchcock. Notável suspense, ganhou o Oscar nas categorias Melhor Filme e Melhor Fotografia em Preto e Branco. No elenco, Laurence Olivier,  Joan Fontaine – em começo de carreira –, Judith Anderson e George Sanders. Hitchcock mostra, de forma exemplar no longa, a riqueza de seus recursos técnicos, fonte de admiração.

Joan interpreta uma jovem humilde – o prenome é desconhecido – que se apaixona pelo rico e aristocrata Maxim de Winter (Olivier). Viúvo, ele é perseguido pela lembrança da falecida esposa, Rebecca. Após o rápido casamento, os dois passam a viver em Manderley, vasta propriedade da família de Maxim.

A luxuosa casa é impregnada de marcas de Rebecca. O ambiente intimida a nova sra. De Winter, mulher frágil e insegura. A governanta sra. Danvers, interpretada magistralmente por Judith Anderson, aterroriza a sucessora, não admitindo que ela assuma o seu lugar de direito. As sequências em que as duas contracenam são sensacionais, com requintes psicológicos que dão à película momentos de tensão.


Joan Fontaine e Judith Anderson contracenam em notável suspense

Sob a sombra da antecessora, a sra. De Winter passa os dias atormentada, por vezes solitária, o que culmina na dramática cena do baile à fantasia. Atrás de informações sobre Rebecca, a personagem de Joan colhe, pouco a pouco, segredos da mansão. A narrativa Hitchcock alcança novo e vertiginoso ritmo com a surpreendente reviravolta da história.

Depois do sucesso de Rebecca, a Mulher Inesquecível, Laurence Olivier consolidou-se como grande ator shakespeariano também nas telas. Joan Fontaine, irmã de Olivia de Havilland e, assim como esta, um dos mais belos rostos de Hollywood, continuou a exitosa carreira. Nonagenárias, as duas são memórias vivas dos anos de ouro da indústria cinematográfica americana. 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Presidente e o cinema

A aventura da presidente Dilma Rousseff a bordo de uma motocicleta em Brasília, se verdadeira ou não, parece história de cinema. Filmes clássicos abordaram o tema.

Em A Princesa e o Plebeu (1953), dirigido por William Wyler, a jovem Ann, entediada da rotina palaciana, foge pelas ruas de Roma. Interpretada por Audrey Hepburn, a personagem conhece o repórter Joe Bradley, vivido por Gregory Peck. Sobre uma motoneta, os dois percorrem as paisagens da Cidade Eterna.

A diva Greta Garbo estrelou Anna Christie (1930), do cineasta Clarence Brown. No longa, a atriz interpreta a rainha da Suécia Anna Christie. Cansada do dia a dia de governo, ela parte, vestida de homem, a cavalo por estradas do país. No caminho, encontra o amor.

O saldo das aventuras foi inesquecível. Ao menos na grande tela.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A Ponte do Rio Kwai

Modelo de megaespetáculo das telas, A Ponte do Rio Kwai  (The Bridge on the River Kwai, Estados Unidos-Reino Unido, 1957) foi a primeira superprodução assinada por David Lean. Diretor de Lawrence das Arábias (1962), Doutor Jivago (1965) e A Filha de Ryan (1970), alcançou, com aquele título, o reconhecimento do grande público. Baseado no romance homônimo de Pierre Boulle (1912-1994), A Ponte do Rio Kwai tem, como pontos memoráveis, a música contagiante, a atuação do astro Alec Guinness e os cenários grandiosos e autênticos.

Em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, em meio às quentes e chuvosas selvas do sudeste asiático, o Japão constrói a Ferrovia da Birmâmia (hoje, Myanmar). A estrada de ferro ficou conhecida pelo nome de Ferrovia da Morte, devido ao elevado número de trabalhores que perderam a vida durante a empreitada. As tropas nipônicas utilizaram exaustivamente a mão de obra de prisioneiros aliados. Esse é o pano de fundo da película.

O rígido coronel Nicholson (Guinness) decide mostrar aos algozes que o soldado britânico, mesmo encarcerado em um campo de detenção, é disciplinado e possui inflexível moral. Ele assume a tarefa de erguer, em prol do inimigo, uma sólida ponte sobre o rio Kwai, motivo de júbilo para quem a fazê-la. Por ela serão transportados tropas e equipamentos bélicos.

Ao contrário de Nicholson, que rejeita a fuga, o major americano Shears (William Holden) fixa o objetivo de escapar. Após conseguir o que tanto almeja,  deve retornar à região. Sob as ordens do major Warden (Jack Hawkins, excelente ator), Shears integra o comando britânico encarregado de explodir a passagem férrea. A missão põe em xeque o orgulho e a lealdade de Nicholson.


Megaprodução foi um sucesso de público e crítica

A Ponte do Rio Kwai tem 161 minutos de duração. O longa recebeu inúmeros prêmios. Sete Oscars (entre eles, o de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator – Guinness – e Melhor Fotografia) e o David di Donatello, de Melhor Filme Estrangeiro, foram alguns dos concedidos.

Uma inesquecível experiência cinematográfica.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Sementes do Mal

Semente do Mal (Mauvaise Graine, França, 1933) é o primeiro filme dirigido por Billy Wilder, criador de Cinco Covas no Egito (1943), Farrapo Humano (1945), Crepúsculo dos Deuses (1950), Quanto Mais Quente Melhor (1959) e outros marcos da grande tela. Nascido no ano de 1906 em uma família judaica vienense, escapou de Berlim em 1933, quando os nazistas ascenderam ao poder – a mãe e avós foram assassinados em Auschwitz. Mudou-se para Paris e, posteriormente, aos Estados Unidos. Após enfrentar dificuldades econômicas (o lendário ator Peter Lorre o ajudou), conseguiu entrar na indústria cinematográfica.

O longa de estreia conta a história do jovem Henri Pasquier (Pierre Mingand), bon-vivant que, depois de brigar com o pai, renomado médico, ingressa em uma quadrilha de ladrões de carro que age na capital francesa. A obra tem qualidades que consagraram Wilder como roteirista e diretor. Movimento dinâmico da câmera, crítica social, aguda visão humana, sensualidade estão presentes na película.

O modus operandi do grupo criminoso é simples e comum. A bela Jeannette (Danielle Darrieux) atrai motoristas incautos para a armadilha. Com a vítima distraída, em cafés ou restaurantes, telefona aos comparsas, informando a localização do veículo, modelo (Studebaker, por exemplo) e placas. Cúmplices vão ao "teatro de operações" e efetuam o furto. Os automóveis, com cores e número de identificação trocados na oficina, são vendidos a receptadores.


Filme, rodado na França, marca a estreia de Billy Wilder como diretor

Henri mostra "talento" para a prática do delito. Ao lutar em prol da melhor divisão dos lucros, choca-se com os interesses do líder da organização. Apaixonado por Jeannete, Henri tenta nova vida. Aliás, o espectador deve ter atenção na tomada que mostra o par caminhando na estrada.

Wilder voltou a conduzir filmes em 1942, com A Incrível Suzana. A partir de então, construiu carreira respeitada em Hollywood, mesmo com altos e baixos. Poucos, porém, tiveram trajetória tão prolixa e meritória.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Sem Novidades no Front

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) provocou o colapso da civilização ocidental. A conflagração entre Aliados (Reino Unido, França, Rússia, Estados Unidos e outros) e impérios centrais (Alemanha,  Áustria-Hungria, Bulgária e Império Otomano) mudou o mapa global. Marcou, à época, o apogeu da carnificina bélica. Lênin, com sua habitual lucidez, apontou que o evento era um confronto "imperialista" da burguesia. Poucos anos depois, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) levou ao maior grau de destruição e assassinato em massa até hoje conhecido.

Sem Novidades no Front (All Quiet on the Western Front, Estados Unidos, 1930) é um dos melhores retratos da Primeira Guerra Mundial. Realizado por Lewis Milestone e baseado no romance homônimo de Erich Maria Remarque (1898-1970), o drama representa extraordinário manifesto pacifista – o livro foi proibido pelos nazistas. Esmerada produção, venceu o Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor.

A narrativa acompanha a trajetória de um grupo de estudantes alemães que, insuflado pelo nacionalismo do professor, se alista como voluntário na infantaria germânica. A dureza do treinamento e o rigor do sargento – sádico – mostram aos jovens o gosto da realidade futura nas terras francesas. A alegria da marcha para a linha de choque dá lugar ao batismo de fogo, aos ferimentos, à morte. Bombas, tiros de metralhadora e fuzil dizimam, pouco a pouco, a tropa atolada nas trincheiras.


Drama pacifista é marco dos bons filmes de guerra 
 
O contato dos novatos com os veteranos; a busca por comida, diversão e mulheres; a camaradagem na caserna; o medo que nasce sob a imensa pressão do combate; a comida racionada pelo gordo e safado cozinheiro; o hospital repleto de baixas; a noite iluminada pelas luzes do inimigo; o campo cravado de buracos de obuses. Enfim, esses e outros elementos compõem a miscelânea do quadro, onde estar vivo é a principal vitória. Não há novidades, apenas as mesmas notícias de óbito e sofrimento.

Sem Novidades  no Front, história também conhecida como Nada de Novo no Front, permanece farol de advertência para todas as gerações. Interpretações marcantes, alta qualidade e realismo das tomadas consagraram a película, constante referência de bom filme de guerra.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Perfume de Mulher

Cômico e dramático. Assim é Perfume de Mulher (Profumo di Donna, Itália, 1974), do diretor Dino Risi, com o astro Vittorio Gassman no papel principal. Em 1992, Martin Brest realizou nova e festejada versão, com Al Pacino à frente.

No longa de Risi, Gassman interpreta o capitão Fausto, militar que fica cego após um acidente explosivo. Irascível, o personagem não tolera piedade e discordância. O jovem soldado Giovanni Bertazzi (Alessandro Momo), o Ciccio, torna-se o novo auxiliar do oficial. Ciccio acompanha Fausto em viagem a Gênova e Roma, onde compromissos pessoais inadiáveis aguardam o capitão.

A jornada envolve situações hilárias. Com muito uísque – 12 anos, claro – e tabaco, Fausto assusta o contido Ciccio, não acostumado ao peculiar humor daquele. Insulta desconhecidos pelo caminho, na cabine do trem ou no bordel. O capitão procura prostitutas de determinadas características e medidas – gosta de morenas opulentas. O cheiro da fêmea, o perfume da mulher o atiça. Dinheiro não é problema, afinal tem e é generoso com o metal.

Gassman mostra seu talento em filme de Dino Risi

Celebração da vida, talvez da morte, Perfume de Mulher proporciona reflexão. Fausto, como ele mesmo diz, é carta inexistente, carta que não cabe no baralho. Ele se sente um homem desajustado, "inválido", alheio à sociedade que privilegia a imagem em detrimento do som, o sol ao invés da chuva. Nada que o faça abondonar alegrias da vida, como o festim e o sexo. Mas não falta a Fausto, filósofo à sua maneira, a melancolia do que passou e poderia ter sido.

A atuação sensacional de Gassman – um dos nomes mais populares do cinema italiano – rendeu a estatueta de melhor ator no Festival de Cannes de 1975. No ano seguinte, a obra arrebatou o prêmio César de melhor filme estrangeiro.  Vale a pena comparar as duas versões da história.

domingo, 21 de julho de 2013

O Fantasma da Ópera

O ator Lon Chaney brilha em O Fantasma da Ópera (The Phantom of the Opera, Estados Unidos, 1925), dirigido por Rupert Julian, a primeira e mais célebre versão cinematográfica do romance homônimo do francês Gaston Leroux (1868-1927). Produzido pela Universal, assim como Drácula (1931) e Frankenstein (1931), até hoje impressiona. Os cenários suntuosos e a atuação e caracterização de Chaney marcaram, de forma indelével, a história dos filmes de terror.

Chaney interpreta Erik, músico autodidata que teve o rosto desfigurado. Revoltado com o mundo, ele vive nos subterrâneos da Ópera de Paris, provocando assombro em quem passa pelo local, como se fosse um fantasma. Apaixona-se por Christine Daae (Mary Philbin), cantora lírica que busca a primazia do palco.

Para obter o amor da jovem, ele a sequestra, após ajudá-la na carreira, por meio de ameaças. Christine é noiva de Raoul de Chagny (Norman Kerry), que, auxiliado pela polícia, busca salvar a moça da lascívia do misterioso personagem. A procura revela-se difícil. Cheia de perigos e armadilhas. O Fantasma da Ópera mostra-se terrível inimigo. Autenticamente monstruoso.

Atuação de Lon Chaney aterrorizou plateias

A película tem sequências antológicas. Exemplos: o momento em que Erik toca órgão e aparece com o verdadeiro rosto; o baile de máscaras (única cena gravada em cores; a maior parte da película é em preto e branco), com Erik representando a Morte; as tomadas no telhado do prédio da Ópera, com a capital francesa ao fundo.

Lon Chaney, conhecido como "o homem das mil faces" em virtude da apurada técnica de maquiagem, foi um dos grandes nomes do cinema mudo.  Interpretou homens estranhos, não alinhados ao conceito tradicional de "normalidade". Morreu em 1930, depois de ser cotado para o papel de Drácula na obra realizada por Tod Browning. O trabalho proporcionou ao húngaro Béla Lugosi tornar-se lenda.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Shalako

Nem John Wayne. Nem Gary Cooper. Nem Clint Eastwood. Os protagonistas do western Shalako (Reino Unido, 1968), do diretor Edward Dmytryk, são Sean Connery e Brigitte Bardot. À época, o astro da série 007 e a musa francesa já eram nomes de proa das telas. Por isso, a união causou sensação no meio cinematográfico.

Aristocratas europeus viajam ao Oeste dos Estados Unidos para caçar. O safári, misto de crueldade e aventura, é realizado em território apache. Inflamada pelo instinto de matar, a condessa Irina Lazaar (Brigitte), atrás de novas vítimas, se separa do grupo. Fustigada por guerreiros índios a cavalo, é salva por Shalako (Connery), ex-coronel do exército americano.

Sean Connery e Brigitte Bardot são protagonistas de western

Shakalo pede para que eles deixem a reserva. Porém, o líder da expedição, barão Frederick von Hallstatt (Peter van Eyck), se recusa a seguir o conselho. A partir de então, são atacados e perseguidos pelos donos da terra.  Surge a hora de amar e a necessidade de destruir a vida para sobreviver. Bom de tiro e conhecedor das táticas apaches de batalha, Shakalo assume a tarefa de salvá-los.

Mesmo que não seja um grande western, a película tem bons momentos, afora a curiosidade provocada pelo elenco. A beleza de BB, um dos principais símbolos sexuais da sétima arte, e o talento de Connery  sempre serão fatores de atenção para o espectador. A cena em que Brigitte se banha a céu aberto é inesquecível.

Descendente de ucranianos, Edward Dmytryk foi acusado de comunista no período do macartismo. Durante depoimentos, teria citado nomes de colegas, comprometendo-os com autoridades. Sobre o cineasta caíram pesadas críticas.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

O Morro dos Ventos Uivantes

William Wyler dirigiu a mais célebre versão do romance O Morro dos Ventos Uivantes, da britânica Emily Brontë (1818-1848), retrato agudo e surpreendente do mal. Laurence Olivier, Merle Oberon e David Niven lideram o elenco dessa empolgante história de amor, ódio e vingança. O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights, Estados Unidos, 1939) é um filme inesquecível. O longa recebeu o Oscar de Melhor Fotografia em Preto e Branco.

Narrado com a técnica de flashback, o drama começa quando um viajante chega, em meio à tempestade de neve, à inóspita propriedade do Morro dos Ventos Uivantes, na área rural da Inglaterra. Lá, ouve a trajetória do intratável Heathcliff (Olivier), atual dono do local.

Heathcliff, quando era órfão maltrapilho, foi levado para a residência pelo pai de Hindley (Hugh Williams) e Cathy (Merle) Earnshaw, então crianças. Hostilizado pelo menino, Heathcliff recebe o carinho da filha. Quando o chefe da família morre, ele perde a proteção, sofrendo, a partir de então, humilhações por parte de Hindley, que o trata brutalmente e o põe a trabalhar na estrebaria.

Laurence Olivier atua na mais célebre versão do romance

Cathy, já adulta, conhece o rico Edgar Linton (Niven), e com ele um novo mundo de prazeres e luxo, afastando-se do humilde Heathcliff. O personagem de Olivier promete vingança contra todos os que o maltrataram. A ligação entre Cathy e Heathcliff, porém, mostra sua força e resistência, ultrapassando o tempo.

Ator shakespeariano, sir Laurence Olivier continua a ser referência na arte da interpretação. Também foi competente do outro lado das câmeras. Realizou películas notáveis, como Henrique V (1946) e Hamlet (1948).

O som do vento persiste no sombrio morro...

terça-feira, 2 de julho de 2013

O Processo

Orson Welles assumiu o desafio e os riscos de levar às telas o romance complexo de Franz Kafka (1883-1924) O Processo. Com Anthony Perkins no papel de Joseph K., o criador de Cidadão Kane filmou o esplendido O Processo (The Trial, Alemanha Ocidental-França-Itália, 1962), com locações externas em Zagreb, na antiga Iugoslávia. Além das qualidades estéticas e narrativas, a interpretação do trágico personagem kafkiano é primorosa. Completam o elenco principal Romy Schneider, Elsa Martinelli, Jeanne Moreau, Akim Tamiroff e Welles.

Em uma manhã qualquer, K. é surpreendido no quarto por policiais. Enquanto acorda, espanta o sono e se veste, os agentes anunciam a prisão. Porém, K. desconhece o crime de que é acusado. Ele alega inocência, mas em vão. A partir disso, a trama, ou pesadelo, se desenvolve.

K. passa por várias situações absurdas. A máquina do Estado e sua burocracia são opressivas e, incomodamente, incompreensíveis. Nesse processo judicial, metáfora da condição humana, a estrutura esmaga o indivíduo.

O réu pede auxílio ao advogado Albert Hastle (Welles). Na residência do defensor, ele encontra a enfermeira Leni (Romy) e o cliente Bloch (Tamiroff). Nesse ambiente irreal, Joseph descobre ligações insuspeitas.


Perkins interpreta o trágico personagem de Franz Kafka

Belas e consistentes imagens se sucedem. Como é típico do trabalho de Welles, a fotografia recebe esmerado cuidado. A película é acompanhada pela clássica música de Tomaso Albinoni – o famoso Adágio – e por jazz. Essa combinação, nas mãos de um cineasta de tal estatura técnica, funciona perfeitamente. Welles venceu o desafio, apesar das desconfianças de críticos pessimistas de que seria impossível reproduzir o enredo e a atmosfera do livro.

Antes de atuar em O Processo, Perkins entrou para a história da sétima arte ao viver o esquizofrênico assassino Norman Bates em Psicose (1960), Alfred Hitchcock. Os personagens atormentados continuaram a frequentar a carreira do ator.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

O Mensageiro do Diabo

O extraordinário ator Charles Laughton realizou um único filme: o suspense noir O Mensageiro do Diabo (The Night of the Hunter, Estados Unidos, 1955). Obra-prima, cujas qualidades de roteiro (escrito por Laughton), direção, fotografia e interpretação permanecem intactas. O astro Robert Mitchum está soberbo no papel do pregador religioso psicopata que seduz e assassina viúvas. 

Na época da Grande Depressão nos Estados Unidos, na década de 1930, o pastor Harry Powell (Mitchum) conhece na prisão o ladrão Ben Harper (Peter Graves), condenado à morte. Este havia escondido 10 mil dólares com os dois filhos, um menino e uma menina.

Com a cobiça atiçada, Harry parte atrás da fortuna. Conhece a viúva Willa Harper (a ótima Shelley Winters), dócil e manipulável. Ela fica impressionada com Harry, aceitando casar-se com ele. Mas logo constata-se que o novo marido, indisfaçável misógino, a repele, impingido-lhe poderoso sentimento de culpa.

O filme ganha ritmo quando Harry começa a perseguir e aterrorizar as crianças. O personagem quer, a todo custo, descobrir o local onde está o dinheiro. Não há limites para a jornada doentia. A personalidade patológica é reforçada por duas tatuagens: nos dedos da mão direita a palavra love (amor) e nos da esquerda, hate (ódio). A síntese da luta do bem e do mal.

Mitchum tem atuação inesquecível no papel de psicopata

Assim como o lendário Marlon Brando dirigiu somente um longa – o western A Face Oculta, de 1961 –, Laughton dedicou-se a trabalhar do outro lado das câmeras apenas em O Mensageiro do Diabo. O talento de Laughton na arte de atuar continua a brilhar em películas da estatura de O Corcunda de Notre Dame (1937), Testemunha de Acusação (1957) e Spartacus (1961). 

terça-feira, 11 de junho de 2013

A Vida Íntima de Sherlock Holmes

Londres vitoriana, castelos e cemitérios escoceses, desaparecimento do marido de uma bonita mulher, espiões alemães, o lendário monstro do lago Ness, anões sequestrados e outros temas dão forma ao longa A Vida Íntima de Sherlock Holmes (The Private Life of Sherlock Holmes, Estados Unidos, 1970), do diretor Billy Wilder. Inspirado na obra de sir Arthur Conan Doyle, combina suspense e comédia. Robert Stephens vive o célebre detetive particular e Colin Blakely, o fiel companheiro, Dr. Watson.

No apartamento 221B da rua Baker Street, Holmes aguarda ansiosamente novo e extraordinário caso. Enquanto Watson prepara as anotações, Holmes aborrece-se. A rotina muda quando aparece a personagem interpretada por Genevieve Page. Ela foi salva do afogamento por um cocheiro que a leva para a casa de Holmes. Com amnésia, a bela carrega consigo o endereço de Baker Street. Surge a primeira pista.


Filme integra última fase de Billy Wilder

Quem é a misteriosa mulher? De onde vem? Onde está o esposo? Em busca das respostas, a dupla empenha-se na investigação – aventura de dedução e de riscos pessoais. O enigmático irmão mais esperto de Sherlock, Mycroft (Christopher Lee), joga papel importante. 

Os 25, 30 minutos iniciais são um pouco enfadonhos, deve-se reconhecer. Depois, a película ganha ritmo, com maestria,  enlaçando o espectador. Alguns aspectos merecem destaque. Exemplos: a inclinação de Holmes por narcóticos, em momentos em que se sente abatido; a natureza sexual do detetive, aparentemente misógino; as deslumbrantes paisagens das Terras Altas da Escócia (Highlands), com suas construções medievais.

Os astros  Peter O'toole e Peter Sellers foram cogitados para os papéis centrais de A Vida Íntima de Sherlock Holmes. Wilder, responsável por marcos cinematográficos como Cinco Covas no Egito (1943), Farrapo Humano (1945), Crepúsculo dos Deuses (1950) e Quanto Mais Quente Melhor (1959), contribuiu para a saga da fantástica criação de Conan Doyle. A Vida Íntima de Sherlock Holmes integra a última fase do consagrado diretor.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Um Dia Muito Especial

No dia 3 de maio de 1938, o ditador nazista Adolf Hitler visitou o colega fascista Benito Mussolini em Roma. Uma multidão entusiasmada recebeu o líder alemão nas ruas da capital italiana. Nessa data, dois personagens fictícios se conhecem: a dona de casa Antonietta (Sophia Loren), infeliz no matrimônio, e o radialista Gabrielle (Marcello Mastroianni), homossexual que recentemente fora demitido.

O encontro de algumas horas entre Antonietta e Gabrielle é narrado no excelente Um Dia Muito Especial (Una Giornata Particolare, Canadá-Itália, 1977), do prestigiado diretor Ettore Scola. O longa ganhou prêmios internacionais, entre eles o francês César de melhor filme estrangeiro e o italiano David di Donatello, nas categorias de melhor filme e melhor atriz (Sophia Loren).

Antonietta mora com a família num conjunto habitacional. O marido, machista e filiado ao partido fascista, e os seis filhos saem para participar da parada em homenagem a Hitler. Sozinha e deprimida, ela conhece, de forma inusitada, o vizinho Gabrielle e se sente atraída por ele.


Drama transcorre na época da Itália fascista

A história de Gabrielle desconcerta a mulher. Culto e antifascista, o radialista perdeu o emprego em decorrência de sua condição sexual. O regime de extrema-direita não admite a diferença, perseguindo quem não se enquadra nas regras vigentes. As primeiras leis antissemitas de Mussolini, por exemplo, foram promulgadas em 1938.

Scola utiliza imagens e sons da época para reforçar o tom realista da película. Momentos dramáticos pontuam a obra. A cena do terraço, em meio a lençóis brancos pendurados para secar, impressiona. A passagem é decisiva para a trama.

Reconhecido como um dos principais cineastas italianos, Scola realizou trabalhos notáveis. Nós que Nos Amávamos Tanto (1974),  Feios, Sujos e Malvados (1976), O Baile (1983) – seu melhor filme – e A Viagem do Capitão Tornado (1991) são destaques na carreira do diretor.    

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Como Roubar Um Milhão de Dólares

O mercado lícito de arte movimenta valores astronômicos. Leilões batem recordes. O mesmo pode ser dito a respeito da transação ilícita do ramo. Esse lado da moeda é tratado pelo diretor William Wyler na comédia romântica Como Roubar Um Milhão de Dólares (How to Steal a Million, Estados Unidos, 1966), estrelado por Audrey Hepburn e Peter O'Toole.

A atriz interpreta Nicole, filha do rico colecionador de arte Charles Bonnet (Hugh Griffith). O pai diverte-se, e ganha dinheiro, forjando quadros de pintores famosos, como Van Gogh e Cézanne. A situação se complica quando ele empresta, a um museu de Paris, uma escultura de Vênus, atribuída a Cellini, falsa. Valor venal: um milhão de dólares.

Nicole resolve agir, a fim de salvar a reputação do pai. Ela convence o ladrão de obras de arte Simon Dermott (O'Toole, o astro de Lawrence da Arábia) a ajudá-la a subtrair a peça do local de exposição. Tarefa nada fácil. Com astúcia e habilidade, Simon é capaz de solucionar o problema.


Audrey Hepburn e Peter O'Toole lideram o elenco

No filme, figuras típicas desse universo comercial e estético, como o marchand e o comprador, transitam nas duas margens do mercado. O milionário americano Davis Leland (Eli Wallach, o  Calvera de Sete Homens e Um Destino), por exemplo, fica obcecado pela representação da deusa romana. Aceita comprá-la ilegalmente, mesmo que seja para deleite exclusivamente particular, distante de outros olhos. 

A carreira de Audrey Hepburn deve muito a William Wyler. Ele a consagrou em A Princesa e o Plebeu, rodado em 1953. Como Roubar Um Milhão de Dólares é um dos últimos trabalhos assinados pelo cineasta. O longa não integra a lista de obras-primas de Wyler. Porém agrada. 

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A Princesa e o Plebeu

Roma, a Cidade Eterna, é o cenário da comédia romântica A Princesa e o Plebeu (Roman Holiday, Estados Unidos, 1953), produzido e dirigido pelo mestre William Wyler (Pérfida, Os Melhores Anos de Nossas Vidas, Ben-Hur e outros sucessos). Espécie de conto de fadas moderno, o filme tornou-se muito popular. Os astros Gregory Peck e Audrey Hepburn – até então, desconhecida artista – formam o par amoroso do longa.

A princesa Ann (Audrey) faz um tour diplomático por metrópoles europeias. Aborrecida com a rotina de compromissos, decide fugir e perambular pela capital italiana. Na aventura, ela conhece o jornalista americano Joe Bradley (Peck), jogador e bebedor intrépido. Joe, que não revela a verdadeira profissão para Ann, vê na ocasião a oportunidade de escrever lucrativa reportagem.

Joe convida Ann a realizar, naquele dia, tudo o que deseja, como se fosse um onírico feriado. Acompanhado do incógnito fotógrafo Irving Radovich (Eddie Albert), o casal visita pontos turísticos, como o Coliseu e a Boca da Verdade – Wyler utiliza a riqueza histórica romana com bastante desenvoltura. Nesse ínterim, agentes do país de Ann – o nome do Estado é indeterminado – partem em busca da herdeira do trono.

Diálogos inteligentes e bem-humorados e as peripécias da princesa e do plebeu rendem momentos especiais. As cenas sobre a motoneta, quando os protagonistas circulam na cidade, provocaram sensação nas plateias.


Audrey Hepburn e Gregory Peck protagonizam comédia romântica

Dalton Trumbo não pôde assinar o roteiro por estar preso. Perseguido pelo macartismo, movimento anticomunista, Trumbo precisou utilizar de pseudônimos para sobreviver. Frank Capra estava escalado para dirigir A Princesa e o Plebeu. Quando soube do envolvimento de Trumbo, recusou, por temer consequências. Wyller, diferente de Capra, aceitou o trabalho. A obra ganhou o Oscar nas categorias Melhor Atriz (Audrey), Melhor Figurino – modalidade preto e branco – e Melhor História Original.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Gata em Teto de Zinco Quente

História visceral, Gata em Teto de Zinco Quente (Cat on a Hot Tin Roof, Estados Unidos, 1958), do diretor e roteirista Richard Brooks, retrata os dramas de uma infeliz família às voltas com a doença terminal do milionário patriarca. Adaptado da peça de Tennesse Williams, dramaturgo de primeira linha, o longa traz como protagonistas Elizabeth Taylor, Paul Newman e Burl Ives.

Cobiça, culpa, adultério e homossexualidade reprimida compõem o universo onde transitam intensos personagens. A censura americana, de cunho moralista, amenizou características centrais do texto de Williams.

A narrativa se passa na mansão do clã, no dia em que o Velho (Ives) completa 65 anos. A família esconde o diagnóstico de câncer avançado, o que provoca no doente o retorno do habitual temperamento dominador e autoritário. O primogênito Gooper (Jack Carson) e a mulher Mae (Madeleine Sherwood) não ocultam o desejo de se apossar, o quanto antes, da fortuna do rico proprietário de terras e ações. Para adulá-lo, Gooper e Mae produzem vários netos.

Newman vive o filho caçula – o predileto – Brick, famoso ex-jogador de futebol americano, que, com o tornozelo direito fraturado, anda de muleta praticamente todo o filme. Transformado em amargo alcoólatra, rejeita a esposa Maggie (Liz Taylor). Infeliz no casamento sem prole, a sexy Maggie tenta seduzir o agressivo e impotente marido. Sob o matrimônio pesa a sombra de Skipper, falecido colega de equipe de Brick. Há tênue, mas identificável, relação de fundo homossexual.


Newman e Liz Taylor têm interpretações marcantes em drama

As agressões verbais envolvendo Maggie e Brick se sucedem. A situação é delicada, como se Maggie fosse gata que andasse em teto de zinco quente. "Não vivemos juntos. Só dividimos a mesma jaula", afirma Liz Taylor. Saliente-se que os diálogos, junto às interpretações, são o forte da película.

As cenas-chave ocorrem entre Maggie e Brick e entre este e o pai. Ambos são incapazes de expressar o amor filial-paternal. O magnata construiu um império, deixando a família em segundo plano, o que revolta Brick.

Oriundo do jornalismo, Richard Brooks tinha senso crítico acurado. Realizou trabalhos de respeito. Os Irmãos Karamazov (1958), com Yul Brynner e Lee J. Cobb, é notável. Ao fim de cada gravação, não dizia "corta". Dizia "obrigado".

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Bunny Lake Desapareceu

No primeiro dia de escola, uma criança de 4 anos some. A mãe, desesperada, pede ajuda. A polícia entra em cena. Onde está a filha? Ou a pequena é fruto da imaginação da mulher? O enredo de Bunny Lake Desapareceu (Bunny Lake Is Missing, Reino Unido, 1965), dirigido por Otto Preminger, atrai o espectador. Suspense psicológico, o filme, à época do lançamento, não provocou o merecido aplauso. Com o tempo, o reconhecimento surgiu.

A americana Ann Lake (Carol Lynley) muda-se com o irmão Stephen (Keir Dullea) para Londres. Quando Ann vai ao colégio buscar Bunny, constata que ninguém sabe seu paradeiro. O detetive Newhouse, vivido pelo grande ator shakespeariano Laurence Olivier – Henrique V, de 1945, e Hamlet, de 1948, são exemplares –, e seus agentes investigam as hipóteses possíveis.

O que mais intriga o perspicaz Newhouse é o fato de não ser encontrada nenhuma evidência material da existência de Bunny. Nenhuma boneca. Nenhum vestido. Nenhum registro escrito. Também rende especulações a estranha relação entre os irmãos. Stephen, mais zeloso com a irmã do que com a sobrinha, debilmente encobre o sentimento incestuoso que o instiga.


Suspense psicológico realizado pelo diretor Otto Preminger

Aflige o drama pessoal de Ann, jovem e frágil mãe – Carol interpreta muito bem o papel. Esse elemento acompanha a narrativa do começo ao fim, proporcionando forte tensão, o que foi explorado intensamente por Preminger.

Nascido no antigo Império Austro-Húngaro, em 1905, Otto Ludwig Preminger saiu de Viena, na Áustria, em 1935, e foi trabalhar nos Estados Unidos. Um dos nomes importantes do cinema noir, realizou, entre outros sucessos, Laura (1944), Anatomia de Um Crime (1959) e Exodus (1960).

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Agonia de Amor

Pouco lembrado pelos admiradores de Alfred Hitchcock, Agonia de Amor (The Paradine Case, Estados Unidos, 1947) é trabalho virtuoso. História de crime, julgamento e castigo, o filme foi a segunda e última parceria do diretor com o astro Gregory Peck. Dois anos antes, gravaram Quando Fala o Coração, com Ingrid Bergman no elenco.

Londres, depois do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A bela e fascinante Maddalena Anna Paradine (Alida Valli) é presa, acusada de envenenar o marido, o milionário coronel Paradine. Por meio do amigo da família Simon Flaquer (Charles Coburn), o hábil advogado Anthony Keane (Peck) recebe o encargo de defendê-la.

Keane envolve-se profundamente no caso Paradine, muito mais do que o recomendável do ponto de vista profissional e jurídico. Apaixona-se pela ré, cujo passado arrepia. A relação abala o tranquilo casamento burguês do protagonista com Gay Keane (Ann Todd).


Gregory Peck e Alida Valli atuam em virtuosa obra de Hitchcock

A estratégia do criminalista, para inocentar a cliente, passa por jogar a culpa do assassinato sobre outra pessoa, o que tem influência decisiva na trama. Maddalena enfrenta o Tribunal do Júri, presidido pelo implacável e libidinoso juiz Thomas Horfield (o extraordinário Charles Laughton), em momentos incisivamente dramáticos. Deve-se observar com atenção os movimentos de câmera nas sequências no interior do tribunal. Lamentável que os diálogos envolvendo o personagem de Laughton – os melhores  da película – não ocorrem com maior frequência.

Os 39 Degraus. Rebecca, a Mulher Inesquecível. A Sombra de Uma Dúvida. Um Barco e Nove Destinos. Quando Fala o Coração. Interlúdio. Agonia de Amor. Festim Diabólico. Disque M para Matar. Janela Indiscreta. Ladrão de Casaca. O Homem Que Sabia Demais. Um Corpo Que Cai.  Psicose. Os Pássaros.

O que dizer, ainda, sobre Hitchcock?

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Ladrão de Casaca

Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, Estados Unidos, 1955) é um dos mais charmosos suspenses dirigido por Alfred Hitchcock. Riviera Francesa, pedras preciosas, boa comida e bebida, romance, sofisticação  e mistério são elementos que enlaçam Gary Grant e Grace Kelly, principais atores desse clássico das telas.

O luxuoso litoral francês é abalado por furtos de joias. Em decorrência das características dos crimes, o modus operandi, a polícia suspeita que o ex-ladrão e bon-vivant John Robie (Grant), O Gato, seja o autor dos delitos. Ele nega qualquer envolvimento.

Para escapar da prisão o protagonista alia-se ao agente de seguros H. H. Hughson (John Williams). Na estratégia traçada por Robie para descobrir o verdadeiro responsável, a deslumbrante e rica americana Frances Stevens (Grace) torna-se peça-chave. A mãe de Frances, Jessie Stevens, interpretada pela ótima Jessie Royce Landis, ostenta acessórios caros. Jesse é a isca perfeita.  

Filme típico de Hitchcock, Ladrão de Casaca atesta plenamente o bom gosto e a técnica refinada do realizador.  As perseguições de automóveis, com as exuberantes paisagens como cenário; as sequências na praia, diante do hotel Carlton, em Cannes; Frances, vestida com longo branco, provoca Robie no quarto, enquanto os fogos de artifício estouram no horizonte; a caçada no telhado, com enquadramentos calcados no expressionismo alemão, são momentos preciosos da obra.


Grace Kelly mostra beleza, elegância e talento no filme de Hitchcock

Grace Kelly personificou como poucas atrizes o ideal de beleza física e elegância, a classe e toilette da dama. Estrela de Disque M para Matar e Janela Indiscreta, ambos de 1954, foi uma das louras fatais de Hitchcock. Em 1956, Grace virou princesa de Mônaco, o que encerrou sua carreira. Na novela Os Segredos da Princesa de Cadignan, o francês Honoré de Balzac (1799-1850) escreveu que "uma das glórias da sociedade é a de ter criado 'a mulher' onde a natureza criou uma fêmea (...)".